sexta-feira, 24 de abril de 2009

Passeios surreais

Uma exposição aberta ao critério
irregular de um jardim
projecto de mecenas já finado
no património sem família
na casa de traça senhorial.

As árvores centenárias lembram
os filmes de orvalhos nas florestas
de Sherwood onde se destacava Robin
uma Lady um rei Ricardo que rugia
na alma e se escondia nas sombras
do templário.

Mas que diz isso a uma pá vermelha
de dois andares nos cabos do futurismo?
Nada diz.

Mas de que serve uma casa verde
de espelhos e cadeiras giratórias
no meio da horta biológica?
Não serve.

Mas o que faz um vestido de cetim
no abraço de cascas e folhas de chá
e um laço azul "shocking".
Nada faz.

Espantado anda o corvo e não pouco
de bico afiado nos brilhantes
nos alimentos recheados de troféus
modernos em ondas de vento no mesmo
lugar.

Pelas sete da tarde poucos os passos
na terra batida nas cores vibrantes
do não natural; até os lagos parecem
aeoroportos vagos de libélulas e patos
no espelho verde das águas.

Um par um pato um pato um par
coordenados na proporção.
Uns andam outros escondem os remos
e deslizam de quilhas impermeáveis.
Uns trocam melodias entre os saltos
vivos do olhar outros algaraviam
de pressas nos ecos duplos triplos
sem comedidos discursos embora
se entenda o falar das migalhas
e o chapinar de asas na sofrega
vontade de as apanhar:
"Quá! Quá! Quá!"...

De mãos dadas
ambos gostamos do edifício branco
das janelas amplas quando
as tardes são calmas e mornas.
Gostamos de o ver por fora
enquanto sacudimos os pós
encostamos os braços
juntamos os lábios
em Serralves.

Quanto mais sós mais juntos
esquecendo por momentos as artes
abstractas
fluindo de "naturas" nas essências
do sentir das seivas que nos transforma
num contexto imaterial por magia
nos indistintos frutos do paraíso
da Natureza da Mãe-Terra como iguais.

Vamos planar como abelhas o pólen
das flores mais doces
ter colmeia fazer mel
nos passeios surreais.

Calor que cala a dor

O calor abana
O calor arranca
A anca morena
Chocalha
O calor choca
O calor atrapalha
O trabalho dá calo
O calor dá embalo
Abalo de lá
Para cá
Parece que há
Calor nesse vício
E a moça viçosa
Roça um ar de rosa
Tem a cor do calor
Tenra flor desfolhada
O calor e mais nada
Dança a moça
Calada

Bahia

Bahia
É lata
É bairro
É barro
É borra
E café
Mulher da manhã
Com dança no pé
Bahia
Dos carros
Dos ossos
Dos pobres
Dos podres
De amores
Que bebem as dores
Num copo sem fundo
Bahia é o guincho
Que acorda
O sono profundo
Bahia é o bicho
Que morde
E mia no escuro
Bahia é o mundo
Que segue
De passo
Inseguro
A coxear
Um Futuro
Manco
Bahia segue
De perto
O seu Orixá
Bahia do preto
Perdida de branco
Devota a Iemanjá
Bahia é pra já
Bahia imediata
Sem espera ou data
Sem plano de acção
Bahia canção
Multidão
Temores
De tambores
E dança
Balança
Sem esperança
Só samba
Só mar
Só morte e criança
Com fome na pança
Bahia bamba
De pernas compridas
Bahia descalça
Que salta
Ou assalta
Mostrando
As feridas

Um quadro magnífico